quinta-feira, 8 de março de 2018

O PRIMEIRO LIVRO

APRESENTAÇÃO 

DO PRIMEIRO LIVRO DE RAFAEL BRITO

XILOGRAVURA DE STÊNIO DINIZ

Eu não tive a sorte e o prazer de nascer no sertão. Ouço dos meus amigos poetas, (os que contemplaram grandes coisas simples sertão a dentro), as fascinantes experiências de tempos de menino pelos lugares onde nasceram. Fico sempre maravilhado ouvindo, e imaginando, como um cinema em minha mente, tudo o que dizem. Queria eu poder contar também essas coisas fascinantes. Não tenho propriedade para isso, a não ser a que foi adquirida ouvindo cada um dos que ouvi. 
Porém, apesar de não ter nascido no sertão, fui escolhido, talvez por força do destino ou por nosso Pai Maior, para propagar essas histórias eternizadas na memória do nosso povo. O certo é que sei que nasci para isso. É minha sina.
Tive sim minhas experiências no sertão, e até hoje tenho, mas nunca quando criança que, como diz Arievaldo Vianna na apresentação de seu livro “O Baú da Gaiatice”: É no berço que formulamos as nossas descobertas mais geniais.
Apesar de não ter tido esse contato que outros poetas tiveram com o sertão, (e isso os tornam autênticos naquilo que fazem), tive a sorte de nascer em meio a muita informação de fácil acesso. Isso salvou o que eu sou. Tive também o grande privilégio de ter dois poetas em minha familia: Meu avô Joacir (avô que criou meu pai e meus tios, casado com minha avó depois que ela deixou o marido no interior e veio tentar a vida em Fortaleza) e meu avô Souza Brito (ao qual dedicarei um capítulo inteiro nesse livro).
Como podem perceber, leitores, nasci com muitos privilégios: menino de cidade grande, bairro pobre e mente inquieta, nunca senti na pele nenhuma das dificuldades que os meus amigos poetas sentiram e contam hoje como medalhas. Porém, tive sim minhas dificuldades, algumas, pensei que não suportaria, mas resolvi ter calma, pois ainda sou bem jovem e tenho muitas coisas para descobrir nesse mundo.
Minha grande descoberta na vida foi a palavra. Contar e escutar histórias foi minha grande descoberta. Escutar principalmente. Eu sempre fui muito apaixonado pelas festas populares: Maracatu, Bumba-Meu-Boi, Reisado, Cavalo-Marinho, Congadas, Quadrilhas, enfim, tive o privilégio de crescer rodeado de algumas dessas festas e aprendi a ver a beleza real de todo esse colorido cultural.
O “ouvir” é realmente a melhor forma de se aprender, depois do “observar”. Pelo menos comigo foi dessa forma. Sempre me senti um senhorzinho sentado em uma cadeira de balanço num alpendre de fazenda. Alguns amigos dizem, principalmente Ronaldo Lopes (pois foi o primeiro a me dizer isso), que sou um jovem que nasceu com a alma velha. Gosto de coisas que não são do “meu tempo” e aprecio as coisas com outros olhos, como se já as conhecesse, em particular, as coisas do sertão.
A palavra me cercou desde cedo e eu só entendi vários anos depois a mensagem que ela havia mandado durante a minha vida. Lembro-me de um senhor que morava na outra rua de minha casa que vendia plantas em um carrinho de ferro, todas as manhãs passava pela rua cantando motes, estilos de cantorias e canções. Eu gostava muito de ouvir ele cantando, as vezes cantava “Voa Sabiá”, outras vezes alguns trechos do que eu iria conhecer depois como “A peleja de Cego Aderaldo e Zé Pretinho do Tucum”.
Esse nome “Cego Aderaldo”, sempre esteve presente em minha infância, (lembrança tão distante que nem sei onde e nem quando ouvi pela primeira vez), talvez já tivesse vindo em meu subconsciente, encravado como uma ferramente para a missão que tinha que cumprir.
Ouvir seu Lourival cantando aquelas coisas, me davam um ar de alegria e euforia, parecia que eu conhecia tudo o que ele estava dizendo. Foi um dos meus primeiros contatos com a cultura popular.
Morador de bairro pobre, tive minhas vantagens: primeiro, nasci na rua de uma feira (que é o típico lugar onde os cordelistas vendiam seus folhetos e declamavam para o povo a desejo de apurar algum vintém). Segundo, moro perto de uma Ong que oferece aulas de arte dos mais diversos seguimentos. Esse foi o meu escape desde cedo. 
O projeto Criança Feliz é o que chamo de “Casinha dos Sonhos”, foi onde sai do “andajar” e comecei a dar meus primeiros passos por mim mesmo. É notável a imensa influência do projeto na minha formação artística cultural. Lá aprendi artes plásticas, violino, violão, canto, flauta, poesia, e me vali de uma biblioteca com um grandioso e valioso acervo. Li de tudo um pouco.
Muitos foram os responsáveis pelas minhas viagens imaginárias no mundo dos livros e da literatura, e sou grato a cada um. Todos sempre se disponibilizaram a ajudar-me em tudo o que precisei, parece que previam o caminho que eu iria seguir. Não citarei nomes por medo de esquecer de alguém e acabar trazendo um sentimento de ingratidão com os que não citei, mas tenho por certo que cada um sabe o quão importante foi e é para a minha caminhada.
Dados os primeiros passos e agradecimentos, explico o porque desse livro em dois pontos, primeiro: Porque sempre quis escrever algo sobre o que fui e o que sou, e sendo jovem, negro e de comunidade humilde, creio que isso tenha grande importância influenciativa para outros jovens como eu. Segundo: Porque tenho muito dentro de mim que precisa ser externado para que viva também nos corações de outros. Isso para mim é sempre um prazer. Essas coisas das que falo que guardo dentro de mim, são coisas simples mas de grande valor sentimental e força poética. São coisas da vida de um menino de alma velha. 
Vale também explicar o porque sou conhecido como “O Bordador de Histórias”, e explicarei: Bordar é uma arte muito bonita, onde, com linhas coloridas e agulha, se faz de um pano branco (ou de outra cor), uma linda toalha com desenhos feitos com paciência e amor. É isso o que faço, escuto as histórias, guardo-as comigo, e bordo-as em minha cabeça. Enfeito-as com linhas coloridas, e agulha e dou cara nova a cada uma delas, contando depois de bordadas e repassando o conhecimento que me fora transmitido.
Dado as apresentações formalmente, vamos então as coisas que consegui juntar de minha mente, algumas ouvi, algumas criei a partir do que ouvi, o certo é que, a tradição oral é o boi que empurra essa manjarra. Boa leitura à todos!

Atenciosamente,
Rafael Brito, O Bordador de Histórias.


Obs.: Também será lançado um CD com o título "Percursos Poéticos" com a mesma gravura de capa do livro, brevemente.

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