quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ÚLTIMOS SILÊNCIOS

A MORTE



Dos milhares mistérios do universo, esse deve ser um dos maiores, se não for o maior. A morte pode ser encarada de várias formas, em algumas tradições é sentida com dor e sofrimento enquanto em outras é motivo de celebração e comemoração.

A dor da partida de um ente querido é algo inexplicável, é uma mistura de angústia e saudade. Mas por que estou falando tudo isso? Porque quero falar sobre a visão do sertão sobre essa que amedronta muitos e alivia outros muitos.

Desde cedo tive que lidar com a morte por perto. Meu avô, minha bisavó, meu tio, minha tia, meu primo, enfim, muitas pessoas de minha vida que se foram, mas um consolo eu tive, e por isso nunca senti tanta dor com a partida, a conformação me foi plantada desde sempre e aprendi que o que nos resta é aceitar.

Essa conformação veio através de minha avó materna. Nos velórios aqui em casa, ela olhava para o ente morto com um olhar sereno e franco, e mexia os lábios devagar, talvez fazendo uma prece a Deus pela alma daquele que se ia. Nunca a vi derramando uma lágrima pela morte, frieza de sentimentos? Tenho certeza que não. Para uma pessoa que perdeu a mãe e o pai no mesmo ano com apenas cinco anos de idade, ela tinha mesmo que ser bem forte.

A força dessa sertaneja, minha avó, é admirável. Eu tenho o sertão dentro de casa e não percebia. O mesmo olhar franco e singelo que vi no Missí, vejo na minha avó. O sertão tem algo especial, o povo é simples e forte.

No Missí, vi um certo temor sobre o assunto. Creem muito em espíritos, são bastante religiosos e supersticiosos. Ao passar numa estrada a caminho da igreja de pedra construída pelos índios, passamos em um local onde a morte marcara seu território. Os ossos de uma vaca se espalhavam pelo chão como muitas estrelas no céu. De longe se via os pontos brancos em meio ao solo barrento, aquilo me chamou muita atenção e quis ir até lá registrar tudo.


Dessa queixada eu trouxe três dentes, para que fosse mais presente em mim tudo aquilo que eu estava vendo. Aqueles ossos, de tão seco, pareciam ser de gesso ou plástico. Para os moradores locais, pegar naqueles ossos atrasava nossa vida, muitos não pegavam por medo mesmo. Diziam que aquela vaca morreu de um mal que não tinha jeito. Nunca soube o que isso significava mas também nunca perguntei, de crenças não se duvida.

Mas não só uma vaca a morte arrebatou, falemos então de gente. A morte é levada com muita naturalidade naquele pequeno pedaço de chão. A perda de alguém querido, claro que causa dor e sofrimento, alguns são mais fortes e superam logo outros sofrem por mais tempo, mas o certo é que no final, a conformação prevalece.

Dizem ser a única certeza da vida. Dizem que é apenas um começo. Dizem que tem mais depois dela, dizem que não se tem nada. A morte já foi motivo de tantos debates, livros, filmes, etc. Mas uma coisa é certa, ela virá sobre todos nós.

O sertão me ensinou a ser paciente, forte e compreensível com ela. Quando perdi meu avô, sabia que tinha que superar, e aquele olhar franco de minha avó, se fez em meu rosto, e mexi os lábios devagar como ela, talvez fazendo uma prece pela alma daquele que se foi.

Eu finalizo esse texto dizendo que o sertão é um lugar de beleza, de liberdade, de riquezas naturais, de humildade e sinceridade. O povo sertanejo é um povo paciente, conformado, feliz (sem precisar de muito pois a felicidade deles se manifesta nas mais pequenas coisas), enfrentam a morte, as vezes vencem, as vezes perdem, e os que vencem, voltam da batalha com um olhar mais penetrante e mais ardente que o próprio sol que lhes castiga dia após dia.



Fico feliz em compartilhar minha viagem com todos vocês e fico mais feliz ainda em saber que trago para vocês tudo o que encontrei dentro de mim. Como disse Guimarães Rosa: O sertão é dentro da gente. 

Finalizo meus escritos agradecendo a todos que tiraram seu precioso tempo para ler meus escritos, e dizer que me alegra a alma saber que vocês entenderam o que falei aqui. 

Muito grato,
Rafael Brito, O Bordador de Histórias.



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